terça-feira, fevereiro 26, 2008

Feras de Lugar Nenhum - Uzodinma Iweala

Feras de lugar nenhum conta como o menino Agu vê sua aldeia ser dizimada, seu pai ser morto, se perde da mãe e da irmã e se torna um miliciano. É tão impossível não se afeiçoar ao menino quanto não temê-lo. Trecho:
"As vezes falo pra ela, não vou contar tudo porque vi muitas coisas horríveis demais para contar. Vi mais coisas horríveis do que dez mil homens e fiz mais coisas horríveis do que vinte mil homens. Então, se eu contar todas essas coisas horríveis, ficarei muito triste você também vai ficar muito triste porque existem muitas coisas horríveis nessa vida. E quero ser feliz. Só quero ser feliz.

Digo isso a ela, e ela só olha para mim e vejo que está com o olho cheio d'água. Então digo a ela, se eu contar todas as coisas que fiz, você vai pensar que sou uma espécie de fera ou diabo. Amy nunca diz nada quando falo isso, mas a água em seus olhos brilha. E digo a ela, tudo bem. Sou todas essas coisas. Sou todas essas coisas. Sou todas essas coisas, mas uma vez já tive uma mãe, e ela me amava."

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4 Comentários:

Blogger Muadiê Maria disse...

Parece muito bom. Vou procurar pra ler.

27/2/08 19:05  
Blogger Flor de Tília disse...

Descobri-te há pouco, mas que delícia tem sido andar por outros jardins. A Tília adora margaridas também... Vou voltar sempre.

29/2/08 20:52  
Blogger Alex disse...

Vim aqui sem muito o que dizer, mas cheio de saudade.

Beijo grande, corazón.

5/3/08 10:27  
Blogger Gláucia disse...

Alex, saudades daqui também. Principalmente porque essa cidade é a tua cara. Fico a toda hora achando pequenos sinais. Acho que deverias te mudar pra cá!!!!!
bjs

Otília,
Também te descobri retribuindo a visita, e gostei muito do teu blog.

Martha,
Acho que vais gostar muito. A narrativa é desconcertante. Mas as crianças que perdemos pras guerras estão em todas as grandes cidades brasileiras também. Acho até que é isso que faz deste um ótimo "primeiro livro": as cores são locais, mas o drama humana enfocado é universal.
bj

5/3/08 21:54  

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quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Sophia de Mello Breyner Andresen



As minhas mãos mantêm estrelas,

Seguro a minha alma para que não se quebre

A melodia que vai de flor em flor,

Arranco o mar do mar e ponho-o em mim

E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas.

(Poemas Escolhidos, Companhia das Letras, 2004)
imagem: João Dias

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sábado, fevereiro 16, 2008

Minha Guerra Particular (Masuda Sultan)


As vezes é irritantemente ingênuo. Vale pelo testemunho. Trecho:
"(...) Rabia explicou que a família fora atacada, à noite, na aldeia agrícola em que moravam. Haviam se mudado de Kandahar, onde os conheci, porque quando o bombardeio americano começou, em 8 de outubro de 2001, todos temeram por suas vidas. Diziam que os talibãs estavam escondidos em prédios próximos de onde morava a família, mansões onde até então residiam abertamente. À noite, o chão tremia e, numa delas, o som de uma bomba potente quase o ensurdeceu. Depois de ouvi-lo, para quase todos só restou o silêncio, seguido de um zumbido nos ouvidos. Fugiram da própria casa, com medo de que fosse bombardeada, mas o alvo havia sido outra, a poucos metros de distância. Foi nessa noite que o patriarca da família, o sogro de Nasria, decidiu que todos deviam partir. Acomodaram tudo o que puderam em três caminhonetes, uma que lhes pertencia e mais duas emprestadas da oficina mecânica em que trabalhavam. Alguns homens foram em suas motos.

No meio da noite, por volta das duas da madrugada, todos os quarenta membros da família se amontoaram nos veículos brancos, com as crianças chorando, e tomaram o rumo, em caravana, da aldeia onde estariam em segurança, um lugarejo mínimo chamado Chowkar-Karez, a duas horas e meia de distância, dezenas de quilômetros ao norte de Kandahar, próximo ao deserto e a cerca de uma hora da estrada principal. A aldeia não dispunha de iluminação, e, como nada nascia nos campos naquela época do ano, os homens passavam o dia trabalhando no cidade e voltavam para casa à noite com pão, óleo de cozinha e legumes. Rabia se voltou para Nasria, que assentiu, confirmando a exatidão da história. Rabia continuou.

Mais ou menos uma semana e meia depois, quando as crianças foram dormir, antes da meia-noite, ouviu-se um barulho forte, semelhante ao que costumavam ouvir quando moravam em Kandahar. O som de bombas é bastante familiar aos ouvidos afegãos. A nora de Nasria, Almasa, correu para a porta a fim de ver o que acontecera.

Uma garotinha, de uns oito ou dez anos, subitamente interrompeu Rabia.

- Então um foguete caiu em cima de Almasa e ela foi cortada em dois pedaços.

Segurei as lágrimas, enquanto a menininha subia no meu colo. Peguei-a e a sentei nos joelhos.

- Eu vi... Tinha sangue por todo o lado – continuou a menina.

Nasria interveio, começando a soluçar:

- Ela estava grávida.

- De quantos meses? – perguntei, tentando imaginar a aparência de Almasa, parada ali à porta, e esperando que a resposta me confirmasse que o feto ainda era muito pequeno, mas sem saber por que me dera ao trabalho de fazer a pergunta.

- Quase seis – lamentou Rabia, recomeçando a chorar. Apontou com a cabeça na direção da menininha no meu colo. – É filha dela. E esta também.

Apontou para outra menina que tentava tirar o lenço da cabeça de Rabia para cobrir a sua própria.

- Ela tem quase três anos.

Tami focalizou a câmera na menina no meu colo.

Nasria assumiu a narrativa para explicar o ocorrido.

- Na mesma hora, pegamos as crianças e saímos correndo da casa.

Do lado de fora, viram uma moto incendiada. Enormes bolas de fogo subiam no ar, caindo depois ao solo. As árvores da aldeia estavam em chamas. A família correu para evitar as bolas de fogo, em todas as direções possíveis, sem saber para que lado ir.

Ao mesmo tempo, perceberam estar sendo alvo de tiros. Algumas crianças andavam de mãos dadas, outras haviam se perdido.

- Achei que fossem o fim do mundo, o dia do kaymat – sussurou Nasria. E prosseguiu: - Estávamos correndo, e eles atirando do alto. Bem nas nossas cabeças! Um avião lá em cima atirava em nós.

- Quem atirava? – perguntei, ainda tentando entender a história.

- Os americanos – respondeu ela, num tom sem emoção.

Eu já suspeitava disso, mas perguntei porque tive dificuldade de acreditar no que ouvia e precisava deixar claro para as câmeras. Mesmo assim, por alguma razão, não entendi.

- Os americanos? – perguntei novamente, ainda me recusando a crer no que ouvira.

- É, os americanos – respondeu Nasria, supondo que eu repetia a pergunta para as câmeras. Na verdade, eu estava chocada. (...)”
(fls. 209-211)

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Quatro anos já? Jesuis... passa rápido mesmo!

20/2/08 11:49  

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quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Carta a Ruben A. (Sophia de Mello Breyner Andresen)


Que tenhas morrido é ainda uma notícia
Desencontrada e longínqua e não a entendo bem
Quando - pela última vez - bateste à porta da casa e te sentaste à mesa
Trazias contigo como sempre alvoroço e início
Tudo se passou em planos e projectos
E ninguém poderia pensar em despedida
Mas sempre trouxeste contigo o desconexo
De um viver que nos funda e nos renega
- Poderei procurar o reencontro verso a verso
E buscar - como oferta - a infância antiga
A casa enorme vermelha e desmedida
Com seus átrios de pasmo e ressonância
O mundo dos adultos nos cercava
E dos jardins subia a transbordância
De rododendros dálias e camélis
De frutos roseirais musgos e tílias
As tílias eram como catedrais
Percorridas por brisas vagabundas
As rosas eram vermelhas e profundas
E o mar quebrava ao longe entre os pinhais
Morangos e muguet e cerejeiras
Enormes ramos batendo nas janelas
Havia o vaguear tardes inteiras
E a mão roçando pelas folhas de heras
Havia o ar brilhante e perfumado
Saturado de apelos e de esperas
Desgarrada era a voz das primaveras
Buscarei como oferta a infância antiga
Que mesmo tão distante e tão perdida
Guarda em si a semente que renasce
(junho de 1976)
(Poemas Escolhidos, Companhia das Letras, 2004)
imagem: Jenny Tsang

2 Comentários:

Blogger Vica disse...

Que lindo.

16/2/08 14:27  
Blogger Gláucia disse...

Ela é demais!

16/2/08 22:01  

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terça-feira, fevereiro 12, 2008

Comovem-me (José Agostinho Baptista)


Comovem-me ainda os dias que se levantam
no deserto das nossas vidas.
Dos belos palácios da saudade
não resta a impressão dos dedos nas colunas
fendidas, e nada cresce nos pátios.
Muito além, depois das casas, o último
marinheiro continua sentado.
Os seus cabelos são brancos, pouco a pouco.

Aqui, tudo se resume a algumas tâmaras que
secaram ao sol,
longe do orvalho,
das fontes que pareciam nascer de um olhar
turvo sobre a sede da terra.

Comovem-me ainda as palavras que dizias
aos meus ouvidos aprisionados pela música.
Comovem-me as cadeiras vazias, no pátio.
Lembro-me sempre de ti.

(Esta voz é quase o vento, Assírio & Alvim, 2004)

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Glaucia!!!
Que delícia, você está de volta!!!
Saudades dos posts...

E vc? Tudo bem???

Um beijo grande

JL

14/2/08 14:10  
Blogger Gláucia disse...

J.L, que legal que apareceste!!
Muitos bjs!

14/2/08 21:11  

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sexta-feira, fevereiro 08, 2008

à luz do Índico - Francisco José Viegas


"Cap. 11. Exactamente por esta ordem: a piscina do hotel, o fio de coqueiros e o pôr-do-sol. Há coisas que, um dia, têm de lembrar uma ordem, e essa ordem era a forma como o mundo se ordenava há muitos anos, quando existia paraíso. Porque, necessariamente, o paraíso não existe no futuro mas apenas naquilo que se perdeu. Todos os paraísos são coisas perdidas, um rosto, uma casa, uma rua, um calendário, um som no meio da tarde, uma estação do ano, uma coisa que nos teria matado naquele instante preciso, naquele único instante. Todos os paraísos são paraísos perdidos, mundos organizados apenas na nossa memória, num dia de que não se regressa como se regressa da morte ou de uma história de amor. Podemos esconder que regressamos da morte e que somos apenas sombras que atravessaram o rio de que se diz que os mortos nunca podem regressar, e podemos esconder uma história de amor durante anos, durante uma vida inteira, sujeitá-la a encontros clandestinos e a bilhetes trocados em segredo, a cartas que se escondem e a quartos de hotel onde se entra com outro nome. Podemos esconder a morte e o amor, a nossa morte e o nosso amor. Mas não podemos esconder mais nada. Não podemos esconder essa ordem que as coisas tinham, há muito tempo, quando o paraíso se tocava com a ponta dos dedos, com uma ordem de voz, com um pedido, uma palavra, um nome. O paraíso é só isso. Um nome. E uma ordem para as coisas. Essa ordem, exactamente essa ordem: a piscina do hotel, o fio de coqueiros e o pôr-do-sol."
( fls. 103 e 104)
*Em Portugal, foi publicado em 2002 com o título Lourenço Marques.

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3 Comentários:

Blogger Leonor disse...

Que engraçado terem mudado o título do livro. Cá em Portugal é "Lourenço Marques", uma referência ao nosso passado colonial, a cidade agora chama-se Maputo. Ainda não li, está ali na estante à espera de uma oportunidade. Me envia sua morada, tenho um Peixoto novo :-)

9/2/08 20:13  
Anonymous Anônimo disse...

viva Margarida, in active revival!!!! o público internacional se alegra! :-p
queremos mais textos escritos pelas próprias margaridas!

e beijos nelas!

marcant

10/2/08 15:37  
Blogger Gláucia disse...

Leonor,
Também não sei o porquê da alteração do nome aqui, mas confesso que gostei mais do "nome brasileiro".
Que bom que tem Peixoto novo! Te mando mail logo mais.

Marcantzinho, "público internacional" é ótimo! bjs

12/2/08 10:55  

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terça-feira, fevereiro 05, 2008

Nova profissão: Sushi woman

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2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Oi glaucia!

também estive no rio e um tempo na ilha grande.E fiquei louca pra aprender a fazer sushis etc,estive num restaurante japones em copa no rio tipo rodizio,quase enlouqueci de prazer.
ai fui procurar e descobri um curso em dvd com utensilios e tudo, mas se tiver um curso ao vivo eu faço, mas só vi em sampa.
beijos
cris Blogdoumbertinho

7/2/08 22:58  
Blogger Gláucia disse...

Oi, Cris. Eu também tô adorando o Rio. Ainda não fiz meus primeiros sushis, tô recém nos ensaios. Mas vou me aventurar, sim. Bom demais, não é?

9/2/08 15:48  

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segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Fotinhas do Rio e de Niterói















































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sábado, fevereiro 02, 2008

Síndrome de Abstinência de Grey



Snow Patrol - Chasing Cars

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2 Comentários:

Blogger Cacá disse...

Tb estou com síndrome de abstinência de Grey! Ai ai...
Acho que voltará a passar logo, pq acabou a greve dos roteiristas. Ufa!
Beijos.

11/2/08 12:12  
Blogger Gláucia disse...

Enxalá, Cacá!

12/2/08 10:56  

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