quarta-feira, janeiro 04, 2006

Cem morangos de amor e um sachet desesperado (Da série Vejo Flores em Você)

Correu pra atender o celular. Nem chegou a verificar número, pra não perder tempo. Alguém chorando perguntava se tinha sido ela. E sem dar chance de resposta dizia que tinha encontrado o sachet de açúcar no bolso da jaqueta, de quanta saudade sentia ao ir embora, saudade dela, da doçura dela, da compreensão dela. Então ela começou a chorar também. Olhou no relógio. Não, não daria tempo. Ele já havia cruzado o portão de embarque. O vôo sairia no horário marcado. E ele foi dizendo que a vida estava muito difícil, que só conseguia falar com ela, que só se sentia em casa junto dela. E ela chorou mais, pensando que em poucas horas estariam de novo a milhas de distância, que isso era tão injusto... Quando desligaram se abraçou a uma quase desconhecida e chorou como criança, sem conseguir explicar muita coisa. Sabia que ele chorava sentado sozinho n'alguma cadeira de aeroporto. Daquele dia em diante começou a roubar sachets de açúcar e carregá-los, sempre, consigo. Pedia o café. Usava o adoçante e guardava o açúcar. Quando tudo ficava muito amargo, ela recorria ao segredo que lhe devolvia o Amigo. O melhor Amigo. Aquele que lia seus olhos e se deixava ler sem medo. Aquele que se olhava nos olhos dela e se enxergava, nas suas limitações, nas suas humanas dificuldades, mas se sabia amado apesar de tudo. Aquele que tinha lhe estendido a mão na hora mais escura, ajudado a atravessar um pântano escuro e lodoso, de perda e vazio. Um dia, alguém perguntou qual a razão dela carregar tantos sachets de açúcar consigo, se não comia açúcar...Ela não disse nada. Apenas sorriu um sorriso transparente, um sorriso que, translucidamente, era um chorar por dentro...
Imagem: Maria Salvador

5 Comentários:

Blogger Tuca disse...

Amei! Mais um para minha lista dos teus posts "top".

5/1/06 14:24  
Blogger Gláucia disse...

Obrigada, Tuquinha.
Pra dizer a verdade, tbém adorei ele.

6/1/06 02:08  
Anonymous Anônimo disse...

Querida Glau!

Obrigada pela "provocação"! :o) Mas descansa que não ando tão sumida assim, acredita. Venho ler, quase todos os dias, os meus blogs favoritos. O teu é um dos meus mais! O que se passa é que,infelizmente, devido a alguns condicionalismos, sobra-me normalmente (excepto ao fdsmana ou interrupções lectivas) muito pouco tempo (tempo físico e psicológico...) para escrever com calma sobre o que leio e não gosto de "escrever de fugida", em que quando mal se começa já se está no ir... Simplesmente, os meus Favoritos merecem mais. Tu mereces muito mais.
Adorei este teu texto, como adoro tudo que publicas. Este ainda mais, se porventura é possível. Sabes como sei isto? Chorei de emoção à medida que ia lendo o teu texto. Ri de ternura, da ternura nele contida, da ternura que ele me inspira. Pus a mão no bolso e consegui sentir aquele pacotinho de açúcar especial também. Pensei em quantos sucedâneos de pacotinho de açúcar eu própria não fui tendo no bolso ao longo da vida. Uma pedrinha, uma concha,uma flor seca, uma foto, um postal, um cartão, um número de telefone nunca mais marcado, mas que se foi deixando permanecer na lista de contactos, simplesmente para se poder olhar para ele de quando em vez, como se ele nos pudesse aproximar de, ...
Tu tens o dom de conseguir redespertar-me, por vezes, para mim própria, para aquele reencontro necessário comigo mesma.

Obrigada, amiga do coração.

E.

7/1/06 14:32  
Blogger Gláucia disse...

Thiago deixei recado na sua casa virtual. De qualquer modo, fico orgulhosa que vc tenha gostado tanto a ponto de pensar em re-postar e em enviar para alguém querido.

8/1/06 02:59  
Blogger Gláucia disse...

Elis,
Mais uma vez mostraste o quanto somos próximas. Se te comoveste ao ler meu texto, eu, por minha vez, chorei ao ler teu comentário. Agora passei eu a pensar em quantos pacotinhos de açúcar que foram pétalas, pedacinhos de papel espalhados, músicas...nós temos essa magia umas com as outras. E isso é uma grandeza, um tesouro nessa vida. Beijos,

8/1/06 03:05  

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