Um homem com uma margarida no peito (Da série "Vejo Flores em Você")
Era uma vez um menino só. E de tanto ser só e sozinho cuidar de si mesmo, o menino foi deixando prematuramente de ser menino. E mesmo com rosto de menino, jeito de menino, tamanho de menino, por dentro já era crescido. E ganhou o mundo. No dia em que partiu, deixou atrás do portão um pedaço de si e as lágrimas da mãe. E no mundo, apesar de menino, fez casa, ganhou a vida... Apenas seu olhos e seu coração denunciavam a anomalia, que, diga-se, foi corrigida pelo passar dos anos, eis que o menino foi ficando crescido também em pernas, braços, rosto e omissões. E tudo a seguir seu rumo, parecendo apontar pra frente. Foi então que um dia, homem feito, remexendo uma gaveta de guardados, encontrou o retrato do menino só. E teve saudades da infância que inventara: mais sol, menos solidão. Sem saber muito bem a razão, surpreedeu a si mesmo parado em frente ao velho portão. E avistou, de longe, um menino a brincar no jardim. E o menino criara um rebanho inteiro de vaquinhas de paus de fósforo, e falava sozinho em vozes várias, fingindo ser menos só. Recuou diante da cena e tomou o caminho de volta. E só voltando pra casa compreendeu que aquele pedaço deixado pra trás, não o reaveria, que aquela falta que levara consigo era definitiva. E era preciso viver com ela. Ao aceitar a falta e a verdade do que ficara atrás do portão, desfez-se o nó e lágrimas grossas escorreram-lhe dos olhos. Percebeu, então, que no seu peito havia nascido uma margarida. Talvez as lágrimas a tivessem regado...vai saber. Daquele momento em diante precisou aceitar algumas limitações no vestir, ao frequentar certos lugares onde as pessoas não conseguiam compreender que houvesse nascido uma margarida no peito de um homem. Em compensação, encontrou várias pessoas que guardavam flores escondidas sob as vestes. Flores que só haviam nascido porque o reconhecimento de um vazio, de uma falta, abrira espaço pra elas...
(Este texto vai dedicado a todos os meninos e meninas que tiveram coragem de voltar ao portão, e seguiram em frente, mesmo que não lhes tenha nascido uma flor ao peito...ainda)
Imagem: João Castela Cravo
(Este texto vai dedicado a todos os meninos e meninas que tiveram coragem de voltar ao portão, e seguiram em frente, mesmo que não lhes tenha nascido uma flor ao peito...ainda)
Imagem: João Castela Cravo
7 Comentários:
Sinceridade, Glau?
Tu me dás medo!
Porque no meu peito já se criam margaridas há anos, graças a Deus, que Ele as pôs lá.
Tu és louca, mulher! Estes segredos a gente nao escreve assim deste jeito...
Isso não se faz.
Te beijo
Gláucia, vai ao meu blogue ;-)
Alex, querido, eu já sabia que trazias margaridas no peito. Só um homem com margaridas no peito poderia me alcançar a mão através do oceano, me fazer rodopiar sozinha pela sala depois de ler um pqne (post que não esperava), e me fazer dormir a milhas de distância. Tenha medo não. Eu sei que tu preferes as loucas (de tão sinceras). Bjos
Papa, acabo de voltar da tua página. A margarida que me ofereceste ainda é da minha cor preferida! Queria ainda dizer-te que, pelo que escreves, pelo que nos une, pela tua capacidade de estar cá e além mar ao mesmo tempo, também já havias denunciado as flores ao peito. Eu só não sei quais são.
Thiago, querido, nunca é tarde pra brincar. Mas ir lá no portão espiar o menino sempre ajuda. As vezes a gente enxerga coisas que podem surpreender ou explicar e re-significar outras tantas. E ficar menos só nunca é definitivo, é sempre incidental. Eu me sinto menos só quando vens aqui. Me senti muito menos só quando disseste que havia mandado o "cem morangos" pra tua amiga...
Uma coisa dura mas muito importante, eu a tenho aprendido nos últimos tempos: para Encontrar o Outro, é preciso ter Encontrado antes o menino, constatado certas faltas (o que, em geral, é regado a muita lágrima) e ter encontrado, em si o vazio no qual o Outro vai ser acomodado e poderá se sentir bem. Então, sós, é bom que não esqueçamos de cultivar as flores em nosso peito. Bjos. Muitos.
Não tenho muitas mais a não ser q estou sempre aqui. Aliás, tenho. Uma música: Haja o que houver (Madredeus). Mais bjs,
Es-tu-pen-do! Obrigada, Glau. Te amo!
Para mim, uma das estórias mais belas e enternecedoras de sempre. Uma pequena obra-prima!
Obrigada, minha querida amiga!
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