Pergunta-me (da série Sagrados e Consagrados)
Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue
Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos
Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enovoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente
Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer
(mia couto, daqui)
imagem: amores pouco perfeitos - élia laranja
2 Comentários:
Muito bonito! Não conheço muito da obra poética do Mia Couto mas acho que o trago comigo todos os dias. Adoro essa língua que ele reinventou, como já foi dito.
Lindo, mesmo.
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