sábado, junho 03, 2006

Para Teresinha, num sábado sem sol (Da série 'To Rin Tei Ko Shin Nyo')



Porque sei reconhecer a insanidade nos olhos dos amantes, e sei que se morre. Arrepio de lâmina gelada encostando na carne - tuas palavras de amor. Sabemos, tu e eu, que se morre todos os dias, crianças, poetas, amantes, pais, filhos, amigos. Sabemos, tu e eu, que só de sonho abraço quente, que pedra de engolir, que dor de danação, que sol a se esconder. Sabemos, tu e eu, que saber não consola a amante, não protege o filho, não devolve o cheiro, o suor, a carne, o silêncio compartido. Saber não vale nada nessa hora desgraçada de encarar a cadeira vazia na mesa. Porque teu amor é estupidamente belo, como só amores sabem ser, lembrei desse poema. Talvez possas pisar nele para te manter de pé.


O meu amor não cabe num poema- há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
ou quartos que os gestos não preenchem.

O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto-
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura da mão que protege a chama que estremece.

O meu amor não se deixa dizer- é um formigueiro
que acode aos lábios como a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente dos segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.

O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome- é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. Nenhum poema
podia ser o chão da sua casa.

(Maria do Rosário Pedreira,
O Canto do Vento nos Ciprestes, roubado daqui)
Imagem:Telhados - Lucy Citti Ferreira

**To Rin Tei Ko Shin Nyo: Mulher da Sinceridade do Raio de Sol que brilha sobre o Pomar de Pessegueiros

6 Comentários:

Blogger Leonor disse...

Beijos grandes, Gláucia.

4/6/06 12:15  
Blogger Gláucia disse...

Obrigada, Papalagui. Tu és um amor.
*
Ele era o companheiro e grande amor da minha amiga. Tinha apenas 45 anos; dois filhos.
Nunca se está preparado, não é mesmo? Sabemos bem disso.

4/6/06 16:40  
Blogger Leonor disse...

É mesmo Gláucia. Coisa estúpida a morte.

4/6/06 20:59  
Blogger Lo disse...

Não sei o que aconteceu, e não quero saber. Já senti o que aconteceu, e me bastou.

De qlq forma, saiba que "roubei" pra mim o poema e a última frase do texto que o antecede.

5/6/06 10:29  
Blogger Gláucia disse...

Lo,
Não imagino roubos melhores do que desse poema.
Bj

5/6/06 11:57  
Blogger Tuca disse...

Adorei "To Rin Tei Ko Shim Nyo".
Pelo que sei ela é isso mesmo...

5/6/06 21:13  

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