quarta-feira, dezembro 28, 2005

Foste te fragmentando (Da série Pergunte ao Pó)


Falavam de como teria sido possível chegar onde tinham chegado. De como aquela sucessão de desencontros havia se dado. Ela perguntou: - Mas quando foi que acabou? - Não acabou. Eu nunca deixei de querer o teu olhar, de te querer. Ela meio embasbacada, tentando ainda entender como nunca deixar de querer, como, se... E assim, no meio de uma discussão sobre o de agora em diante, sobre a relação a ser estabelecida a partir dali, ele se vira pra ela e diz: - Quando teu pai foi perdendo a memória, tu foste te desmanchando, deixando de ser, porque era ele o teu referencial; tu só eras a partir dele...E quando ele morreu mesmo, ficaste definitivamente a deriva... - Ah! E fugiu correndo de dentro do carro; tinham chegado, ainda bem, ela já estava sufocando... Entrou em casa e subiu correndo a arrumar roupas velhas pra dar. Precisava começar algum movimento de descarte e esvaziamento. Precisava não pensar que virara pó. Cinco minutos depois o telefone toca. A voz do outro lado: um estranho em apuros. E ela fica feliz que ele tenha ligado e pensa que é bom poder ajudar. Nervoso, o estranho precisa de dados objetivos que ela vai fornecendo aos poucos, tentando acalmá-lo, enquanto trata de se convencer de que não virou pó...foi o pai que virou pó, está virando pó. Ela está viva... Ela fala ao telefone com um estranho. Que está nervoso, é verdade. Que diz que só ligou porque estava realmente desesperado e não tinha a quem recorrer, porque as dez tentativas anteriores pra dez outras pessoas não tinham funcionado, é verdade. Que diz que está um pouco melhor, muito obrigada, agora precisa descansar, é verdade. Mas ela fala ao telefone. Ela está viva. Uma amiga quer almoçar com ela amanhã. Ela não virou pó, não...
Imagem: Sweetcharade

6 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Belíssima imagem!!! Posso copiar :o)? Texto... que me remeteu para mim mesma... Como me revi, revejo no "...tentando ainda entender como nunca deixar de querer, como, se... (...). Precisava começar algum movimento de descarte e esvaziamento. Precisava não pensar que virara pó.", no encontro com o outro, seja um estranho ou alguém mais chegado, apenas importa que tal nos ajude, às vezes (quando é preciso), a reconhecer que estamos vivos ainda, que não virámos pó, não! O outro "massaja o nosso ego" um pouco e... já tudo vale de novo a pena.

28/12/05 06:19  
Anonymous Anônimo disse...

"O mais importante nas casas são as janelas, sim. E acho que nas pessoas também.", escreveste tu sobre o meu texto, Glau. Tantas ligações entre nós... Cada vez acredito mais que as pessoas podem mesmo entrar "nas nossas vidas por acaso, mas não é por acaso que elas permanecem". Acho que com mais ou menos palavras, há uma ligação qualquer entre nós que acredito só poder permanecer infinitamente e para além do etéreo.
Janelas, espelhos da alma. Tenho eu também um gostinho especial por janelas, uma tonta paixão pelas ditas, como me dizem alguns, daquelas coisas que me acompanham há longos anos, daí alturas da via em que já fotografei tudo o que era janela, que me atraía inexoravelmente. O que estará para lá delas, por elas adentro? Para que mundo(s) se abrem?

28/12/05 06:35  
Anonymous Anônimo disse...

Agora, novo post se impõe! :o)
Essa de estares por cá em Fevereiro... Decididamente, há qualquer coisa de outro mundo que nos ligará... Olha, não me lembro se já te dei o meu contacto de mail pessoal, mas deixo-o aqui, de qualquer modo. Escreve para ele, enviando o teu mail de contacto pessoal também, se assim o entenderes. Por aí, enviar-te-ei os meus contactos telefónicos e/ou outros que desejes. Assim, não haverá mesmo hipótese de desencontro entre nós. Poderás ficar por cá, vires de visita, simplesmente, ... não importa. Um contacto mais, sobretudo quando estamos fora do nosso ambiente habitual é sempre um contacto. Que achas?

elisabete.anastacio@netvisao.pt

Bjs.

28/12/05 06:45  
Blogger Gláucia disse...

A imagem não é nossa. Esse pseudônimo é usado pelo fotógrafo. E o texto da Meg é muito bom mesmo. Quando a criatura se inspira é bem assim. É como a Tuca. Meu fascínio pelas janelas é idêntico ao teu e ao mesmo tempo inverso, pois me atraí o movimento de fuga possível através delas, além da curiosidade sobre o q há por trás.
E te enviarei mail com certeza. Espero não apenas que nos encontremos uma vez, mas já sinto que tenho mais uma irmã aí além da Tuquinha. Tenho certeza de que faremos muitos passeios, iremos a muitos cafés e apresentaremos autores e poemas e artistas plásticos e fotógrafos novos umas para as outras. Um beijão, e muito obrigada. O teu carinho e a tua intensidade são sempre muito comoventes.

28/12/05 23:46  
Blogger Margarida disse...

Elis, fiquei muito feliz por teres gostado do meu texto. Especialmente por teres achado que era da Glau. BJos

28/12/05 23:52  
Blogger Tuca disse...

Grata pela referência! Mas a Margarida quando se inspira, supera todas. Beijos.

28/12/05 23:58  

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