Onírico - fragmentos (Da série Tributo a Caio)
Veio num sonho, certa noite. Ela o amava. Ele a amava também. E ainda que essa coisa, o amor, fosse complicada demais para compreender e detalhar nas maneiras tortuosas como acontece, naquele momento em que acontecia dentro do sonho, era simples. Boa, fácil, assim era. Ela gostava de estar com ele, ele gostava de estar com ela. Isso era tudo. (...)
Não se matou. Não seria capaz, resistia sempre à ilusão de encotrá-lo um dia. Por isso mesmo houve outros, claro. Algumas iluminações, encontros quase agradáveis até. O engenheiro divorciado, o professor de olhos verdes. Mas aprendeu a ir dormir sempre o mais cedo que pode, pois é nessa faixa que ele habita, ela sabe, a contemplá-la, mesmo de olhos fechados. E de tudo que foi restando nesses anos todos, continua sabendo que sabe que fica lá o lugar onde poderia encontrá-lo outra vez. Do outro lado, onde com os olhos abertos ela vê com os olhos fechados e inteiramente nua, encostada ao ombro dele, que dorme inteiramente nu, também, mas a vê-la dentro do sono.
Arfam levemente os dois. Ela dorme segura protegida no ombro dele que a protege segura. Mesmo dormindo, mesmo do lado de cá. E isso é para sempre, por mais que o tempo passe e a afaste cada vez mais dele, que continua eterno naquele segundo em que o viu. E isso ninguém roubará, repete-se, mesmo levando em conta todos aqueles meses de enganos vis que continuam e continuarão a vir depois daquele sonho.
Eu te amo, repete sozinha para o escuro toda noite, pouco antes de seu corpo dissolver-se na espuma do sono, eu te amo. E se pudessem saber, os outros, todos saberiam que isso não deixa de ser uma vitória. Certa espécie de vitória. Mas tão dúbia que parece também uma completa derrota.
(caio fernando abreu, 1991. Está no 'Ovelhas Negras', Porto Alegre: L&PM POCKET)
Imagem: Victor Melo
Não se matou. Não seria capaz, resistia sempre à ilusão de encotrá-lo um dia. Por isso mesmo houve outros, claro. Algumas iluminações, encontros quase agradáveis até. O engenheiro divorciado, o professor de olhos verdes. Mas aprendeu a ir dormir sempre o mais cedo que pode, pois é nessa faixa que ele habita, ela sabe, a contemplá-la, mesmo de olhos fechados. E de tudo que foi restando nesses anos todos, continua sabendo que sabe que fica lá o lugar onde poderia encontrá-lo outra vez. Do outro lado, onde com os olhos abertos ela vê com os olhos fechados e inteiramente nua, encostada ao ombro dele, que dorme inteiramente nu, também, mas a vê-la dentro do sono.
Arfam levemente os dois. Ela dorme segura protegida no ombro dele que a protege segura. Mesmo dormindo, mesmo do lado de cá. E isso é para sempre, por mais que o tempo passe e a afaste cada vez mais dele, que continua eterno naquele segundo em que o viu. E isso ninguém roubará, repete-se, mesmo levando em conta todos aqueles meses de enganos vis que continuam e continuarão a vir depois daquele sonho.
Eu te amo, repete sozinha para o escuro toda noite, pouco antes de seu corpo dissolver-se na espuma do sono, eu te amo. E se pudessem saber, os outros, todos saberiam que isso não deixa de ser uma vitória. Certa espécie de vitória. Mas tão dúbia que parece também uma completa derrota.
(caio fernando abreu, 1991. Está no 'Ovelhas Negras', Porto Alegre: L&PM POCKET)
Imagem: Victor Melo
3 Comentários:
Depois de dias de ausência venho aqui e tu me fazes chorar. O texto é delicado e mais do que nunca pertinente.
Saudades imensas,
Niña
Tô AMANDO esse tributo. Porque, tu sabe, amo tanto essa pessoa. Para relembrá-lo nessa data estou lendo o Estranhos Estrangeiros, que ainda não conhecia. beijo querida
Niña,
A magia do caio é essa. de algum modo, ele é sempre pertinente. ele une. ele espelha, ele traduz. ele nosso anjo talvez seja, disse Mr. Cafeína Yoda.
Jô, querideza caiana, que bom que estás gostando.
Vou tentar acompanhar o que der na movimentação da semana, mas a vida tá corrida. Pena ser só essa...
Bjs pras duas.
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