Amar (Da Série bem-me-quer, mal-me-quer)
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
(Carlos Drummond de Andrade)
Imagem: Bart
4 Comentários:
Muito bonito.
Essa é a minha preferida.
Gostei.Estava procurando e encontrei seu blog!
Muito bom ele.Parabéns!
Obrigada, neto. Que bom que gostaste. Aparece aí. Vou lá visitar o teu. Dei uma espiada e já gostei do que vi.
Papa,
Tanto a Tuca quanto eu adoramos o Carlos. O pai amava. Bjs
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