quarta-feira, março 01, 2006

Amar (Da Série bem-me-quer, mal-me-quer)


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


(Carlos Drummond de Andrade)

Imagem: Bart

4 Comentários:

Blogger Leonor disse...

Muito bonito.

1/3/06 08:33  
Anonymous Anônimo disse...

Essa é a minha preferida.
Gostei.Estava procurando e encontrei seu blog!
Muito bom ele.Parabéns!

2/3/06 11:18  
Blogger Gláucia disse...

Obrigada, neto. Que bom que gostaste. Aparece aí. Vou lá visitar o teu. Dei uma espiada e já gostei do que vi.

3/3/06 01:16  
Blogger Gláucia disse...

Papa,
Tanto a Tuca quanto eu adoramos o Carlos. O pai amava. Bjs

3/3/06 01:17  

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