quinta-feira, janeiro 12, 2006

Um dia de quem tem amigos (Da série Informes do Tempo)


Sob um calor escaldante e uma luz impiedosa, escrever, escrever e escrever. Depois de ler, ler, ler. E quando o cérebro pifa digitar citações e citações e citações. Sim, é isso. Mas quem tem amigos não fica sozinho nem numa empreitada dessas, e disso vos dou meu testemunho. Porque a criatura acorda apavorada de um pesadelo terrível: tinha se despedido em definititivo do seu melhor amigo. Sabiam que não se veriam mais. E a sensação do sonho era angustiante, a atmosfera pesada. Ainda sonâmbula, liga pra conferir se ele ainda está lá (longe, é verdade, mas ainda se abraçarão e implicarão muito um com o outro). E ele está. E ele a faz rir. E ele diz coisas muito duras de ouvir. E ela ouve. Ela chora. Ela dói. Mas é verdade, o que se há de fazer...E ela abre o e-mail e está lá: "força na peruca", que é um profundo, embora heterodoxo, voto de confiança. Há ainda uma liminar. E uma criança com saudades, porque nos últimos dias a mãe dela só se tranca pra ler e escrever. E há também outra amiga. Uma amiga que quer ajudar. A amiga que carinhosamente a chama de "argentina" porque tudo é muito e muito e forte e forte e dramático e definitivo. E elas dão muita risada, e a amiga ouve pacientemente suas fantásticas elocubrações sobre igualdade (embora não concorde com nada). E uma pessoa que não a enxergou por 10 meses, de repente, não mais que de repente, virou-se pra ela como se nunca antes a tivesse notado. E até lhe dirigiu a palavra. E no divã descobriu que igualdade não é um problema acadêmico, mas existencial. E reviu uma menina muito pequena, cabelos cacheados cor-de-mel, cujos olhos testemunharam coisas que o coração até hoje não entendeu, mas cujas mãos digitam e digitam porque a menina, crescida, acredita que é possível mudar. E outro amigo liga e diz que sim, pode ajudá-la e desenhar pra ela, como se ela tivesse quatro anos, o que ela não entender. E sente muita saudade de outra amiga que está longe. Ao cair da tarde, sai e corre com outros dois amigos. Que são irmãos. Que são encantadoramente doces. Correm juntos enquanto o sol vai se escondendo, tentando não parar mesmo com todo o calor, mesmo com os batimentos muito altos,'porque é preciso andar'. E uma criança cor-de-rosa e doce vem contar que "môrgulhou" na piscina com "tu pai". E elas vêem juntas Monstros S/A enquanto a mãe lê em voz alta o texto que "tu pai", também conhecido como "dicionário facilitado de línguas" vai ajudando a traduzir. E liga uma amiga que está triste e decepcionada, e que diz, do seu jeito, que a ama sim, e que é bom tê-la por perto. E ela fica feliz por ela ter ligado. Então ela volta para o texto, agora sozinha. E ele vai ficando cada vez melhor. E quando cita Dickens (Hard Times) ela quase surta. Já está menos calor. De qualquer forma, decide continuar a leitura deitada na lajota gelada do banheiro, pra não correr o risco de pegar no sono. Talvez não durma. E repete o mantra pra si mesma: vai dar certo, vai dar certo...
Imagem: Cheri Blum

4 Comentários:

Blogger Tuca disse...

Glau, não pira! É claro que vai dar certo! Estou torcendo. Beijo. Te amo.

12/1/06 07:33  
Blogger Leonor disse...

Gostei muito do texto. Calma, Gláucia, não sei que você faz exactamente mas dá para ver que esstá sendo difícil. Força, vai tudo acabar bem. Bjs. Leonor

12/1/06 07:39  
Anonymous Anônimo disse...

Ah, vai! Como são doces e, ao mesmo tempo, tão fortes tuas palavras Glau. Beijo e, ãhn, FORÇA NA PERUCA! :)

12/1/06 10:47  
Blogger Gláucia disse...

Valeu gurias. 100% força na peruca.

12/1/06 11:22  

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