quarta-feira, março 15, 2006

Se o Amor Acabou ( Da série Pergunte ao Pó)


Ainda vou querer entender por que é tão difícil suportar que o amor acabe. Por que é difícil para os vizinhos, para o jardineiro, para os zeladores, para a empregada, para a professora, para os amigos velhos, para os amigos novos de cada par. É como se cada amor ajudasse a preservar todos os outros, numa espécie de corrente. E como se o fim de um amor ameaçasse, por conseguinte, as viúvas que criaram a memória de que só a morte pôde contra seu amor; como se ameaçasse todos os amores em andamento e todos os amores possíveis. Parece que o fim de um amor é um fracasso coletivo. E o responsável por esse cataclisma merece vaia e desprezo. É alguém que 'jogou fora' o que tinha. É melhor não ser visto perto dele ou com ele confundido, afinal, é separado, desquitado, desolado, ou sei lá o quê. Então, meus amigos, se o amor acabou, mantenham segredo. Falem baixinho, chorem escondido. Não ousem soluços no colo de nenhum grande amigo: ele sumirá apavorado. Não ousem pedir ajuda, contar a verdade. Vivemos um tempo em que não se sabe mais o que fazer com soluços, desabafos, com os restos, as sobras, a dor. Vivemos um tempo em que é imperativo sorrir e responder 'tudo bem'. Vivemos um tempo em que não é permitido confessar nem ao amigo de infância, pois a imagem que ele guarda deve ser preservada. Ele quer guardar o sorriso de antes, não esse rosto de agora, marcado pela perda do amor.
Imagem: Frederic Gaillard

6 Comentários:

Blogger Rogério B. Alves disse...

"Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Porque nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo 'clima', certa 'preparação'. Certa 'grandeza'.

Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo 'eterno') cotidiano. A morte de alguém conhecido e/ou amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Porque o amor, como a morte, também existe - e da mesma forma dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte - pois o amor também é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) - nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade." (Fragmento de EM MEMÓRIA DE LILIAN de Caio Fernando Abreu)

Se a morte por si só já assusta, imagina a constância da morte, na perenidade da rememoração constante...

15/3/06 03:44  
Anonymous Anônimo disse...

uffff...deixa eu respirar...tranquei a respiração lendo o post, abro os comentários e o rogèrio dá o golpe mortal com caio. assim a pessoa não tem condições de trabalhar...
saudades.
Tô adorando ver o rostinho iluminado da Clara todo dia.
bjs, paula

15/3/06 11:46  
Blogger Leonor disse...

Vivemos um tempo em que não se sabe mais o que fazer com soluços, desabafos, com os restos, as sobras, a dor. Vivemos um tempo em que é imperativo sorrir e responder 'tudo bem', é bemverdade! E gostei muito deste texto.

15/3/06 13:53  
Blogger Gláucia disse...

Lindo, Rog.
Muiiiiiiiiito lindo.

Paula,
Sempre gosto quando gostas. Mas tens razão: golpe mortal é a expressão pro comment-post-citação do Rog.

Pena que ainda não nos encontramos na Escolinha. Agora Clara tá entrando na fase da resistência. Hoje disse que não queria a Taís. Estamos revezando (até na adaptação). Hoje é dia do Rogério. Tomara que seja tranquilo.
Bjs,

15/3/06 13:55  
Blogger Gláucia disse...

Papalagui,
Vou postar hoje ou amanhã um poema do Drummond, que amo, que usa essa expressão (vivemos um tempo...) como mote, e é simplesmente um absurdo de lindo...

15/3/06 13:57  
Blogger Gláucia disse...

Eu também não sei o que fazer... Não sou uma pessoa sábia. Eu desespero. Me gasto, sofro. Sou 'a' pessoa que não sabe o que fazer com o que resta da gente...

22/3/06 20:53  

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