
Que tenhas morrido é ainda uma notícia
Desencontrada e longínqua e não a entendo bem
Quando - pela última vez - bateste à porta da casa e te sentaste à mesa
Trazias contigo como sempre alvoroço e início
Tudo se passou em planos e projectos
E ninguém poderia pensar em despedida
Mas sempre trouxeste contigo o desconexo
De um viver que nos funda e nos renega
- Poderei procurar o reencontro verso a verso
E buscar - como oferta - a infância antiga
A casa enorme vermelha e desmedida
Com seus átrios de pasmo e ressonância
O mundo dos adultos nos cercava
E dos jardins subia a transbordância
De rododendros dálias e camélis
De frutos roseirais musgos e tílias
As tílias eram como catedrais
Percorridas por brisas vagabundas
As rosas eram vermelhas e profundas
E o mar quebrava ao longe entre os pinhais
Morangos e muguet e cerejeiras
Enormes ramos batendo nas janelas
Havia o vaguear tardes inteiras
E a mão roçando pelas folhas de heras
Havia o ar brilhante e perfumado
Saturado de apelos e de esperas
Desgarrada era a voz das primaveras
Buscarei como oferta a infância antiga
Que mesmo tão distante e tão perdida
Guarda em si a semente que renasce
(junho de 1976)
(Poemas Escolhidos, Companhia das Letras, 2004)
imagem: Jenny Tsang
4 Comentários:
Parece muito bom. Vou procurar pra ler.
Descobri-te há pouco, mas que delícia tem sido andar por outros jardins. A Tília adora margaridas também... Vou voltar sempre.
Vim aqui sem muito o que dizer, mas cheio de saudade.
Beijo grande, corazón.
Alex, saudades daqui também. Principalmente porque essa cidade é a tua cara. Fico a toda hora achando pequenos sinais. Acho que deverias te mudar pra cá!!!!!
bjs
Otília,
Também te descobri retribuindo a visita, e gostei muito do teu blog.
Martha,
Acho que vais gostar muito. A narrativa é desconcertante. Mas as crianças que perdemos pras guerras estão em todas as grandes cidades brasileiras também. Acho até que é isso que faz deste um ótimo "primeiro livro": as cores são locais, mas o drama humana enfocado é universal.
bj
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